sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Lenchak

Lenchak em Tibetano quer dizer débito karmico.
Quando temos relacionamentos difíceis, de muito apego e expectativa, mas ao mesmo tempo amor e carinho pela pessoa, e é tudo muito complexo e nada simples e claro. Isto é Lenchak.
Existe um tranco emocional quando vemos ou pensamos na pessoa, normalmente alguém próximo, filhos, pais, amigos íntimos, chefes - todas as relações onde existe muita expectativa e demandas silenciosas que nos fazem sentir responsáveis pela solidão e dor física e emocional do outro.
Len quer dizer: ocorencia e chak: apego ou atraçao, ou a sensação de que algo nos puxa para alguém, normalmente de uma maneira insalubre. Pode ser entendido como resíduo que nos visita de uma dinâmica antiga, de relacionamentos antigos, de uma vida passada. Uma dinâmica que agora é forte devido a familiarização e ao habito.

Nos infernos Budistas, dizem que o ser ouve a voz de alguém conhecido e imediatamente vai nessa direçao, encontrando criaturas horrendas e muita dor física e mental. Isto é interessante porque com aqueles com quem temos Lenchak, sentimos um dever de ´ir`, como se estivéssemos sendo puxados, algo fora de nosso controle ou senso de resistência. Não queremos ir, mas TEMOS que ir. Nosso nome é chamado e saltamos imediatamente para servir-los. Esta não é uma decisão consciente -nem uma decisão alegre- mas mais como ser arrastado por um vento muito forte. Nossa reação, seja ela de raiva, inveja, apego ou o que for, serve somente para fortalecer a dinâmica. Pessoas tem feito muito ´em nome do amor`. Mas se isto é amor, não é uma forma saudável de amor.

No Tibet dizem que existe um lago, que durante uma lua cheia específica de cada ano, focas oferecem peixes com suas bocas para corujas que ficam nas árvores acima do lago, esperando comer. Não existe razão especial para as focas fazerem isto, somente que as corujas o esperam. A historia diz que as focas não ganham nada com isso e as corujas nunca estão satisfeitas. Como não existe razão óbvia por esta dinâmica, os Tibetanos dizem, "deve ser Lenchak".

A dinâmica Lenchak tem dois lados, o lado da foca e o da coruja. Se somos a foca, sentimos uma responsabilidade silenciosa emocional pela mente e bem-estar de outra pessoa. Somos puxados a ela, como se fosse nosso dono. É uma experiência forte e visceral, e temos uma reação física imediata. O telefone toca, vemos quem é, “é a coruja”. Temos que atender e somos atacados por uma onda de ansiedade e repulsão, como se estivéssemos sendo atacados por nosso sistema nervoso. Nos preparamos para um problema ou um ´download` emocional forte. Por mais que desejamos nos desconectar desta pessoa não conseguimos nos libertar, somos capturados. Checkmate!

Isto não é o caso, na verdade somos presos por nosso próprio apego, culpa e inabilidade de resistir a dor que vem de se sentir indevidamente responsável por ele/ela. Por um lado, não conseguimos ver a coruja se debater, por outro não conseguimos soltar. Esta dinâmica nos puxa para baixo, nos faz perder o brilho.cEnquanto isso a coruja nunca esta satisfeita, não importa quantos peixes a foca tenta alimentar a ela.

Claro que quando estamos presos na síndrome da coruja, não vemos as coisas desta maneira. Nos sentimos negligenciados, isolados e fracos. Isto porque estamos dependendo de alguém para manejar nossos medos. Temos muitas demandas não ditas, e quando a expressamos, é de modo carente e necessitado. A síndrome da coruja nos torna infantil. Perdemos nossa confiança, achamos que não podemos fazer as coisas por nós mesmos, não sabemos lidar com nossa mente e emoções. Embora a coruja pareça fraca e dependente, é ela quem manda. É um pouco manipuladora, não quer limpar a própria sujeira. É uma atitude privilegiada pois ela tem a foca.

A ironia desta dinâmica, é que na maioria dos casos, quanto mais peixes a foca oferece, mais a coruja quer e mais insatisfeita esta. Este tipo de dependência e expectativa leva a cenas muito feias. É verdade que a foca pode temporariamente saciar a coruja, mas um respeito mutuo nunca nasce deste tipo de arranjo.

A diferença entre amor e Lenchak deve ser bem analisada. Amor e carinho pelo outro aquece o coração e nos torna generosos. Sentimentos de amor nascem naturalmente, não são o produto de pressões e demandas. A dinâmica Lenchak causa apego, insegurança e ressentimento.
Grandes praticantes sabem disto muito bem. Conhecem os buracos de Lenchak e protegem ferozmente sua independência. Trabalham de maneira inteligente com outros porque sabem que seja com seus pais, família ou quem seja, se caírem prezas desta dinâmica, perderão seu tempo (literalmente) e sua paz mental. Principalmente porque é uma relação baseada na neurose. Lenchak não lhe permite ajudar os outros e lhe arrasta para uma ´outra` vida.

(Baseado no livro "Light Comes Through:Buddhsit Teachings on Awakening to our Natural Intelligence", Shambhala Publications, 2008, de Dzigar Kongtrul-profesor de filosofia na Universidade de Naropa)

Um comentário:

  1. obrigada Blue Dakini, gostei e repassei para todos Humanos que conheço...beijos Patty

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